Um assunto extremamente comum em blogs de autistas é a MÁSCARA SOCIAL. A reclamação mais comum que eu escuto é a de não entender as regras sociais invisíveis. Por isso, a maioria tende a tropeçar constantemente entre um relacionamento e outro.
Eu nunca tinha ouvido falar de máscara social até começar a estudar o autismo. Eu não sabia como funcionava e a minha compreensão dessa ferramenta era extremamente superficial.
Eu também sempre me considerei uma pessoa muito verdadeira. Então, era ultrajante dizer que eu me relacionava através de máscaras. Por um bom tempo, tentei rejeitar essa ideia para mim mesmo.
Ao invés de me relacionar com os outros por um sistema de máscaras, eu passei a estabelecer meus relacionamentos usando um sistema que eu chamei de níveis de intimidade. Eu falei sobre isso no artigo Como o conceito de máscara social pode destruir a sua vida (15 Ago 2021). É um artigo mais longo e explicou 3 motivos pelos quais a expressão “máscara” me perturbava.
Recentemente, decidi me aprofundar na psicologia. Depois de estudar bastante, eu descobri o motivo da minha perturbação. A maioria das explicações sobre máscara social dadas pelos sites eram incompletas e imprecisas.
Muitos autores de sites e blogs explicavam o seu entendimento sobre máscara social de acordo com o modo eles a usavam. Também, não tinha como eles darem absolutamente todos os detalhes sobre o assunto. Afinal, a maioria dos posts tinha que ser simples para prender a atenção. Em outros casos, os sites não eram especializados. E havia alguns que eram simples até demais.
Eu também não vou explicar detalhadamente o assunto neste post. O que eu vou fazer é fornecer detalhes que muitos sites não dão. Era especificamente essa explicação, ausente na maioria dos outros sites, que me ajudou a construir um conceito coerente e replicável do termo MÁSCARA SOCIAL.
Há 2 anos atrás, foi-me apresentado alguns trabalhos do psicólogo Carl Jung. Muitos profissionais que seguem a linha junguiana publicaram livros com linguagem acessível sobre os métodos de Jung.
Esses livros me deram uma esplêndida visão da psique humana e aguçaram meu interesse pelo tema. Ao ler esses livros, inclusive alguns deles estão disponíveis na Biblioteca aqui da minha cidade, eu encontrei uma explicação precisa e prática sobre máscara social.
Acontece que o termo “máscara social” não é usado na psicologia. Ao invés disso, usa-se o termo persona, que é muito mais completo e abrangente.
A máscara social é apenas um dos aspectos de apenas uma das funções da persona. O equívoco que muitos sites cometem é dizer que esses dois termos são sinônimos. Mas esses termos não são iguais. Esse esclarecimento é muito importante.
Na sua função de máscara, a persona protege sua intimidade e as relações sociais existentes, impedindo que outros saibam a seu respeito coisas que não deveriam saber. Nesse sentido, o segredo para ser bem-sucedido usando máscaras sociais é saber quando trocá-la.
E é exatamente nisso que os autistas falham. Não sabemos quando trocar de máscara e nem qual usar nas diversas situações sociais. E mesmo quando sabemos usá-las, não conseguimos fazer isso em tempo hábil. Essa tarefa é de tamanha dificuldade que precisamos escolher entre usar máscara social e viver.
Jolande Jacobi, no seu livro A Psicologia de C. G. Jung — Uma Introdução às Obras Completas (2013), usou outro termo para explicar a persona. Ele explicou:
“A persona é por assim dizer um muro protetor necessário, mas maleável, que lhe assegura uma forma de comércio com o mundo circundante relativamente natural, homogênea e leve.” – página 42.
Assim, a persona é um muro protetor maleável que ajuda o eu interior a se comunicar com o mundo externo.
Vendo a persona como um muro maleável, ela deixa de ser uma máscara rígida que precisa ser trocada a cada situação social nova e se torna uma coisa só. Ou seja, nada de trocas.
Essa visão me traz muita tranquilidade, porque além de me ajudar a me concentrar numa coisa só, eu sinto que não estou enganando ninguém, já que a minha persona é igual em casa, na rua, com os amigos, com os vizinhos e em todos os outros lugares.
Mas, ao estudar um pouco mais a fundo, é possível encontrar uma definição de persona que une o conceito de máscara e muro, e que serve de base para a nova ferramenta que estou prestes a te apresentar.
O livro Eu e o Inconsciente, de Carl Jung, explica o que é persona:
“A persona é um compromisso entre o indivíduo e sociedade.”
Com qual objetivo?
“Para se fazer aquilo que é esperado dentro dos limites da própria individualidade.” – p. 47, par. 246.
Notou a palavra que ele usou? Ele usou a palavra compromisso, e não máscara, e nem muro. Isso faz total diferença.
Sendo assim, a persona deixa de ser um mero mecanismo de proteção para se tornar uma ferramenta. Você deixa de ser passivo e se torna ativo nos relacionamentos.
Assim, quando surgem problemas com outras pessoas, ao invés de você se esconder atrás de seu muro torcendo para não ser derrubado, você vai usar essa ferramenta para consertar relacionamentos. Afinal, você tem um compromisso com o mundo externo.
Todos nós temos esse compromisso. Não é realista viver dentro de si mesmo. Por isso, é necessário aprender a se adaptar e mudar de comportamento conforme as situações do dia-a-dia.
Ter e aprender a usar sua persona torna você mais responsável com as pessoas e consigo mesmo. Você não vai pensar só em si mesmo, mas vai levar em conta o outro também.
Eu li os dois livros citados e outros 3 para entender melhor o assunto da persona. Eu fiquei fascinado pelas explicações. Embora eu não as encare como um guia principal e definitivo da vida, elas foram um divisor de águas para o meu comportamento social.
Mas, como estabelecer um compromisso com o mundo de maneira saudável, com bons resultados para você e para os outros? É aqui que entra a ferramenta sobre a qual eu quero tanto falar.
Trata-se de responder a 3 perguntas orientadoras toda vez que estiver numa nova situação social, ou quando estiver prestes a entrar. As perguntas são:
- O que eles esperam que eu faça?
- O que eu quero fazer?
- O que eu consigo fazer?
O resultado em comum nas respostas representará o que deve ser feito numa situação específica. Não se trata de uma regra rígida, mas de uma ferramenta que tem me livrado de muito estresse desnecessário.
O diagrama abaixo deixa mais claro o modo saudável de se usar sua persona:

O maior desafio de seguir as regras sociais é a invisibilidade. Temos consciência de que elas existem, mas ninguém sabe explicá-las.
Essa ferramenta não torna as regras sociais totalmente visíveis, mas lhes dá um formato. Pelo menos agora você saberá o que procurar em cada situação na qual se envolver.
Cada autista está num nível de desenvolvimento diferente. Por isso, eu não espero que essa fórmula resolva todos os problemas, mas tenho expectativa de que isso facilite a sua vida, assim como tem facilitado a minha.
Eu estou certo de que esse entendimento adicional vai ajudar você a lidar melhor com os amigos e com os rituais sociais tão necessários para manter os relacionamentos funcionando. Afinal, você pode até não gostar do mundo à sua volta, mas vai ter que aprender a viver nele.
Eu tive problemas por não saber navegar pelo mundo de maneira saudável. Não me considero perito nisso, mas sei que estou ficando muito habilidoso. O meu livro Autismo Aos 26 explica alguns desafios que eu tive de enfrentar.
