17 de março de 2020. Primeiro dia oficial da minha quarentena. Lógico que muitas perguntas estavam na minha cabeça. Eu tinha acabado de descobrir o autismo e pretendia contar pra algumas pessoas sobre isso. Eu queria de verdade ter falado pra elas. Mas não foi possível. A quarentena em si não surtiu muitos efeitos negativos em mim. Foi o contrário, ela me deu a oportunidade de pensar em mim mesmo.
Até o dia anterior, a minha rotina era bastante cansativa. Eu saía pra vender à tarde e voltava às 17h30. Chegava em casa, trocava de roupa e saía pro curso, que começava às 19h00. Quando ia dormir, já era 23h00. Eu ficava me perguntando: “Como eu vou conseguir tempo para refletir sobre o meu autismo? Eu preciso parar um pouco. O que os outros vão pensar se eu meio que desaparecer da vida deles pra me cuidar?” Existiam coisas que eu precisava deixar de lado. Eu não tinha tempo para ficar em luto — luto das máscaras sociais, luto de tudo que eu pensava saber sobre mim mesmo.
Então veio a quarentena e vi a chance de “desaparecer” sem causar muito alarde. Se eu deixasse de fazer qualquer coisa, eu poderia dizer que era por causa do vírus. Essa era a minha chance de sair pela porta dos fundos. Quando eu poderia fazer isso de novo? Tinha que ser agora.
Sem ninguém perceber, eu voltei no tempo vasculhando cada evento e cada memória que poderia ser indício do autismo e procurei uma explicação para meu comportamento. Eu descobri que todos os problemas sérios que eu enfrentei estavam ligados, de alguma forma, à minha condição atípica. Eu também descobri que, para alguém da minha idade, eu já havia feito muitas coisas. Foram poucos os jovens que tiveram as mesmas oportunidades que eu e as agarraram de verdade. Foram poucos os jovens que amadureceram como eu. Eu comecei a perceber a minha unicidade. Eu comecei a notar a minha relevância. Todos os desafios que eu enfrentei me deram motivos para chorar e sorrir ao mesmo tempo — chorar porque é sempre ruim passar por problemas, e sorrir porque, se você passou por um problema, quer dizer que ele não existe mais.
Cada memória me ensinou que eu nunca precisei ser como os outros para estar feliz. Eu sempre fui diferente da maioria mesmo antes disso tudo. Agora eu continuo diferente deles, só que eu sei que sou autista.
Valorizar as minhas diferenças é uma lição que ainda estou aprendendo. Estou melhorando nisso a cada dia.
Hoje é o dia 77 da quarentena e ainda tenho tempo para aprimorar isso. Eu nunca digo que eu tenho uma vida inteira pela frente para aprender algo. Eu digo que já tive uma vida para aprender e agora estou tendo mais 1 dia. Pensar assim me ajuda a fazer bem o que eu estou fazendo agora para o futuro me agradecer.
Sorrir para si mesmo é algo muito especial. Se não fez ainda, experimente, porque amanhã você vai precisar da sua melhor versão.
O resultado das minhas reflexões foi o livro Autismo Aos 26, disponível na Amazon. Você vai gostar bastante de ler um mais dos meus relatos.
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