A dificuldade em saber o que se está sentindo não é exclusividade minha. Embora eu já soubesse dessa dificuldade, confesso que ontem fiquei especialmente assustado por causa disso. Existem alguns sentimentos básicos do ser humano: alegria, tristeza, raiva e medo. São sentimentos tão básicos que qualquer criança conseguiria identificá-los, eu acho. Acontece que eu não sou uma criança e mesmo assim não consigo fazer isso. Mas eu percebi um detalhe interessante dessa vez.

Quando se fala dessas emoções básicas, geralmente as associamos a alguma atitude ou ação da pessoa que demonstra essa emoção. Nós acreditamos que o modo como a pessoa age (externo) é um reflexo do que a pessoa sente (interno). Assim, sempre que vemos alguém rindo (ação), dizemos que essa pessoa está alegre (emoção); se vemos essa pessoa chorando (ação), dizemos que essa pessoa está triste (emoção); se vemos essa pessoa gritando sem lágrimas nos olhos e com um tom de voz direcionado (ação), dizemos que ela está com raiva (emoção). E assim vamos associando as emoções.

Eu sei dizer se eu estou rindo, chorando ou gritando, mas não sei dizer se estou alegre, triste ou com raiva. Essas três últimas nunca foram palavras do meu cotidiano. Eu nunca disse: “Hoje eu estou alegre!”, ou “Hoje eu estou triste.” Eu sempre permiti que os outros dissessem isso pra mim. Foram os outros, e não eu mesmo, que identificavam as minhas emoções. Talvez seja por isso que eu não associe emoções aos momentos da minha vida. Elas não era minhas; eram dos outros.

É mais fácil pra mim descrever o que está acontecendo no meu corpo. Eu sinto meu coração bater mais forte, eu sinto um relaxamento muscular quando eu termino de fazer algo que eu gosto, eu sinto um arrepio quando alguma coisa perigosa vai acontecer, e eu sinto um frio na barriga quando vou fazer algo importante. Entretanto, eu não conecto essas respostas corporais a um sentimento específico. Tanto é assim que eu tenho dificuldade para responder quando me perguntam: “Você está nervoso hoje?” Então, eu preciso usar conscientemente a minha memória para ver se as reações corporais condizem com o que a pessoa chama de “estar nervoso”.

Agora, a pergunta é: Será que eu preciso saber expressar em 1 única palavra o que estou sentindo? Eu acho que não. O mais importante nessas horas, eu acho, é a pessoa que estiver comigo saber ouvir enquanto eu falo. Ela não vai me ajudar se apenas simplificar minhas reações corporais a apenas 1 palavra assim como todo mundo faz. O que vai acontecer é que eu vou associar um sentimento dela ao que acontece com o meu corpo. No momento, eu não quero simplificar minhas emoções dessa forma. E é nesse “simplificar” que reside outra das minhas limitações.

Eu já falei várias vezes sobre enxergar os detalhes das coisas. Eu percebi que isso também acontece também quando eu tento enxergar a mim mesmo, por assim dizer. Eu não consigo ver o quadro geral de algumas situações. Por isso, eu acabo descrevendo em detalhes o que está acontecendo ao invés de resumir a história. Eu não me dou ao luxo de ser simples. Portanto, por que eu deveria ser simples quando se trata de emoções?

A conclusão que eu cheguei é que as emoções básicas são básicas demais pra mim. Eu preciso de mais palavras para expressar o que estou sentindo. Na verdade, eu preciso de muitos e muitos textos. E sempre que eu escrevo, eu me compreendo cada vez melhor.

Acredito que identificar os meus sentimentos seja uma tarefa que eu vou levar a vida toda para fazer. A vantagem é que, até lá, você vai ter muitos textos meus pra ler.


A minha dificuldade em identificar as emoções fica muito evidente no meu livro Autismo Aos 26. Conheça na Amazon.

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