Não existe nada mais doloroso do que perder um ente querido na morte. No entanto, a dor não vem apenas do fato da pessoa não estar mais do nosso lado. A dor é maior quando você pensa em tudo que poderia fazer com a pessoa e agora não pode mais. Isso acontece porque não foi só a pessoa que morreu, mas a sua expectativa.
Existe um tipo de luto que é semelhante à quando se perde um ente querido. Estou falando do luto que sentimos quando descobrimos o autismo. Com essa única palavra, tudo que você achava ser possível começa a desmoronar diante dos nossos olhos. Como assim?
Antes de receber o diagnóstico de autismo, você pensava que era necessário copiar certas atitudes e comportamentos para ter o sucesso desejado. Esse sucesso pode ser várias coisas. Pode ser receber um elogio dos colegas de escola, receber abraços e apertos de mão do chefe, receber um sorriso amigável de todo mundo ou qualquer outra coisa que você almeje neste exato momento.
Você achava que tinha que copiar as atitudes e o jeito de falar das outras pessoas porque essas pessoas pareciam ter sucesso. Os outros sempre pareciam ter mais amigos que você. Os outros sempre pareciam conseguir fazer os colegas rirem com eles e não rirem deles. Essa expectativa de que algum dia você poderia ser como os outros foi sendo alimentada dia após dia e ano após ano, desde que você era criança até o diagnóstico.
O interessante é que, por mais que as suas tentativas de copiar os outros dessem errado, você nunca pensava: “Deve haver algo errado com eles.” Ao invés disso, você dizia: “Deve ter alguma coisa de errado comigo.” Assim, os sorrisos e os cumprimentos que você dava no dia-a-dia serviam apenas para disfarçar o seu sentimento de culpa por tornar a sua própria vida um aparente fracasso.
Então, quando, como que de repente, você reconhece o autismo em si mesmo, parece que o céu caiu sobre a sua cabeça. Quanto mais você se aprofundava no significado do autismo, mais certeza você tinha de que havia sim algo de errado com você. Aquele sentimento de culpa, guardado há tanto tempo, explode na sua cara como uma mina terrestre que você pisou sem querer.
Você ainda tenta justificar certas atitudes do passado, mas agora é tarde. A verdade já está bem no nosso nariz e não há meios lógicos de negá-la. Não há saída, exceto aceitar os fatos. Quais fatos?
O fato de que você tem limitações e que nunca será igual aos outros; o fato de que existe algo de errado com você e que não tem como mudar isso; o fato de que você é bom em entender, mas ruim em aplicar; o fato de que você é inteligente para aprender fórmulas complexas, mas não o suficiente para estabelecer um diálogo efetivo; o fato de que você se expressa muito bem através da escrita, mas só através da escrita; o fato de que você de mais apoio para a vida do que pensava.
Cada um sabe o que precisou aceitar. O que resta agora é conviver com todas essas expectativas frustradas, que morreram junto com o diagnóstico de autismo.
Mas se parar para pensar um pouco, a vida é um eterno morrer e nascer expectativas. E acredito que essa seja a parte boa da vida! Sempre que uma expectativa morre, ela dá espaço para outra nascer.
Quando você descobriu o seu autismo, você teve de enfrentar esse período de luto. Você descobriu que muitas das coisas que achava que seria possível realizar se você se esforçasse bastante, na verdade, são literalmente impossíveis mesmo. Isso é um choque que paralisa qualquer ser humano.
No início, talvez os pensamentos sobre esse assunto fossem mais intensos, mas depois que você se acalma, você percebe que isso não é o seu fim, mas o fim de alguém que estava tentando ser quem não deveria. E só hoje você quão bom foi chegar a esse fim. Você agora tem a chance de renascer e de criar um futuro adaptável para si mesmo.
Claro que não é fácil chegar a essas conclusões. O bom é que muitos descobriram que não estavam sozinhos nesse período. Apesar dos sentimentos serem intensos na descoberta, foram esses sentimentos que os permitiram criar novas amizades e laços que perdurarão a vida inteira. Aqueles que estenderam a mão para ajudar você nesses tempos difíceis são os que merecem a sua eterna confiança e gratidão.
Assim, se você descobriu o autismo recentemente, não se acomode achando que é o fim do mundo. Esse é apenas o fim de um mundo; agora há muitos milhões de outros mundos para explorar.
Lembre-se de que a melhor maneira de se ajudar é ajudando outros, e ajudar outros inclui permitir que eles sintam alegria por te ajudar. Essa é a única maneira de vencer o luto da expectativa.
No meu período de “luto”, eu acabei escrevendo um livro. Você pode ler minhas conclusões no link abaixo. Garanto que você irá gostar muito.
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