Eu refleti sobre tudo que eu já fiz e já quis fazer. Eu nunca tomei uma decisão motivado a estar com alguém ou para convencer alguém a ficar comigo. Eu sempre decidi com base no que eu queria fazer e achava que envolver outros nessa decisão só me atrasaria.

Mas ninguém é independente nesse mundo e eu preciso muito de outras pessoas, mais do que eu imagino, mais do que eu admito.

Eu tenho que dizer que tudo que eu tenho hoje foi graças a outras pessoas terem pensado em mim. Desde o meu nascimento até agora, tudo que eu consegui teve participação de outros. Por isso, seria muito injusto eu fazer planos sem incluir algumas delas comigo, sem pensar no impacto que as minhas decisões vão causar nelas.

E eu acredito que nem todos os autistas tenham total consciência da importância que os pais, irmãos, primos, colegas de escola e professores exercem sobre a vida deles. Eu não tinha essa consciência até o momento que essa frase no título deste texto veio na minha mente e eu comecei a escrever.

Essa inconsciência dos autistas em relação ao que os outros fazem para eles terem uma vida confortável não é de propósito. Nós nem sempre temos noção do que acontece ao nosso redor. Não conseguimos interpretar as pistas sociais e, em alguns casos, não conseguimos coletar evidências o suficiente que provem que o outro nos ama tanto quanto nós amamos ele.

É como se tivessem de usar outra frequência para se comunicar conosco. Mas não me pergunte qual é essa frequência porque eu mesmo ainda não descobri.

Mas só porque você não tem evidências do sentimento do outro por você não significa que ele não exista. Como dizer, por exemplo, que uma mãe não ama seu filho autista só porque o filho não sente esse amor? Uma vez eu disse: “Sentimentos existem para serem sentidos.” Portanto, você nunca vai ver os sentimentos dos outros, da mesma forma que os outros também não vão ver os seus.

Então, você não pode ignorar alguém só porque você acha que essa pessoa não gosta de você. Parte do dia-a-dia do autista inclui não saber interpretar expressões sociais corretamente. Em muitos casos, vai ser bom dar o benefício da dúvida.

Obviamente, isso não se aplica a todos os casos. Existem sim mães que não amam seus filhos autistas. Também existem aqueles que abusam da nossa dificuldade de interpretação para nos obrigar a fazer coisas que não queremos. Cada caso é um caso. Eu só estou dizendo que você precisa analisar cuidadosamente todas as evidências antes dizer ou fazer algo que magoe sua mãe, seu pai ou seu amigo.

Talvez você tenha crescido como eu. Eu sempre usei as pessoas como ferramentas para conseguir alguma coisa que eu queria. Mas eu fazia isso (ou talvez ainda faça, não sei) de maneira inconsciente. Isso gerou pequenos incômodos em algumas pessoas, mas elas decidiram ignorar esses incômodos. Por quê? Porque elas gostam de mim de verdade.

Eu não faço ideia de quantas pessoas eu talvez tenha magoado por causa desse comportamento. Eu vou explicar melhor como é que acontecia.

Exemplo A. Eu queria aprender música. Então, meu pai me deu um teclado. Eu pedi para um amigo me deixar usar o teclado dele de vez em quando porque o dele era melhor. Ele também me emprestou um livro de música, o qual eu li em 30 dias. Mas não se trata de um amigo qualquer. Estou falando de alguém muito bom comigo e com meus pais.

Numa situação “normal“, seria de se esperar que um vínculo entre mim e ele fosse criado. Talvez, os momentos em que eu fui na casa dele pudessem resultar num compartilhamento de experiências pessoais que nos levasse a uma conexão além do interesse comum, que, no caso, era a música. Mas isso não aconteceu.

O que houve foi que eu apenas aprendi música com o material que ele me emprestou e só isso. Nunca foi sobre a pessoa; sempre foi sobre música.

Exemplo B. Eu também quis aprender inglês. Então, eu estudei todo o livro de escola em 6 meses. Depois, eu ganhei vários quilos de livros usados de uma professora, que hoje está aposentada. Eu estudei todo o material cuidadosamente todos os dias e aprendi inglês em 5 anos. Não posso dizer que sou fluente, mas aprendi tudo que eu queria.

Da mesma forma que no exemplo anterior, seria de se esperar que o meu vínculo com ela se estendesse além do inglês. Afinal, ela me conhece desde pequeno. Mas isso não aconteceu.

Eu peguei o material, aprendi inglês e pronto. Eu não prossegui com a amizade, pelo menos não da maneira esperada. Nunca foi sobre a pessoa; sempre foi sobre inglês.

Essa minha tendência pode ser facilmente mal interpretada. Eu poderia ter perdido vários amigos no processo. Mas eu não perdi. Por quê? Porque eles gostam de mim de verdade e eu tenho evidências para provar isso. Demorei um pouco para coletá-las, mas eu tenho.

Por toda a minha vida, eu nunca tive interesse nas pessoas só pelo fato delas serem pessoas. Elas sempre foram uma ponte que eu tinha de atravessar. A sorte é que eu consegui excelentes pontes, em cujas qualidades eu me espelho.

No entanto, só porque os meus amigos não podem sentir o que eu sinto por eles não significa que eu não sinta nada. E o mesmo se dá no sentido oposto. Mas eu garanto que sempre vou ajudá-los.

Talvez eles não possam contar comigo para estar num casamento, numa festa, numa formatura ou num funeral. Mas depois que a euforia social passar, eu estarei lá, seja para dar meus pêsames, seja para dar meus parabéns.

Essa é a minha especialidade. Eu consigo demonstrar o que eu sinto com grande precisão, e eu não posso me dar ao luxo de passar despercebido no meio de uma multidão de outros amigos. Eu não sou igual os outros. Só eu sei como os meus sentimentos são fortes, e só eu posso valorizar isso. É o que eu faço.

Portanto, embora eu tenha feito poucas coisas na minha vida para realmente me aproximar de outros, eu realmente valorizo a presença dos meus pais, irmãos, tios e vários outros na minha vida. Sem eles, a minha vida seria muito mais imprevisível e difícil.

Então, só porque uns poucos não enxergam o quanto você brilha nessa vida, nunca desista das pessoas por causa disso. Mesmo que você não tenha tanto apoio da família e dos amigos como gostaria, eu sei que existe alguém que está disposto a amar e te valorizar exatamente como você merece.


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