Todo mundo gosta de assistir televisão, principalmente quando tem aquele filme favorito passando. Na verdade, muitos não precisam nem mesmo esperar pelo filme favorito. A questão é que, por mais que gostemos do filme ou do programa que assistimos, nós não estamos participando da vida do personagem. Nós vivemos os momentos dele, mas não fazemos parte desses momentos.

Eu comecei a indagar a mim mesmo a respeito disso nesta semana. Eu percebi que eu passei grande parte do meu tempo apenas observando as pessoas e decifrando padrões de comportamento. Eu nunca vivi o momento de verdade porque eu estava preocupado demais em observar os detalhes para ver se as pessoas estavam agindo como deveriam. Claro que esses padrões de comportamento só ficavam na minha cabeça. Eles não eram totalmente confiáveis. Afinal, ninguém pode prever com perfeição o que a outra pessoa vai fazer.

Quais foram as consequências de eu exercitar tanto esse estilo de observação? Bem, eu me considero bastante preciso quando falo sobre alguma coisa. Então, qualquer possibilidade pra mim já é praticamente uma realidade. Dessa forma, eu observava as possibilidades de reações das pessoas e acabava assumindo cada uma delas como um fato imutável.

Essa minha certeza das coisas me fez acreditar que muitas das minhas participações reais em conversas tratavam-se de mera encenação e que os outros nunca quiseram falar comigo de verdade. Era como se fosse uma conversa puramente circunstancial e que, quando o objeto causador daquele momento mudasse, a conversa deixaria de existir. Logo, eu concluiria que a pessoa não tinha o menor interesse em falar comigo e que ela provavelmente fazia isso por mera educação e formalidade.

Era tudo como uma equação perfeitamente equilibrada. Se eu estivesse andando na rua enquanto conversava com a pessoa, um carro de som poderia passar e tirar o foco do assunto, fazendo a conversa morrer. Ou pode ser que eu estivesse num ônibus, e que uma simples distração minha, como olhar para o lado, pudesse fazer a conversa se perder para sempre. Por isso, eu fico em constante tensão enquanto converso; estou sempre analisando todas os possíveis detalhes que irão desencadear morte dela.

Eu não consigo, ainda, fazer parte do momento, por mais importante que ele seja. Eu estou sempre vivendo na terceira pessoa, e nunca em primeira. Eu nunca fui o personagem principal da minha própria história. Eu só me sinto como o protagonista quando estou escrevendo sobre ela. Só que aí já é tarde demais, porque eu já perdi o momento.

E quando se trata de escrever, eu comentei com uma amiga minha que eu conseguiria acabar com a tinta da minha caneta falando de apenas 1 dos meus dias, dada a quantidade de detalhes que eu observo. Essa é a palavra-chave: observar. Quem me dera eu usasse a palavra “participar”. Talvez assim eu tivesse mais coisas interessantes sobre as quais escrever.

Mas, uma simples mudança na palavra utilizada não resolve o problema. É inconcebível que eu use uma palavra que não descreva exatamente o que eu fiz ou o que eu senti. E você sabe como é difícil descrever os sentimentos com 1 palavra. Por isso, eu sempre descrevo minhas experiências com base no que eu aprendi.

O aprendizado é mais fácil de descrever do que o sentimento. É justamente a partir dessa minha descrição dos momentos um tanto diferenciada que surgem textos como este. Posso dizer, de certo modo, que meus momentos não têm sentimentos, mas aprendizados.

Será que eu ainda sou assim? Algumas das minhas postagens falavam de mim no passado, antes de eu saber do autismo. Este texto aqui, no entanto, fala de mim como eu sou hoje. Eu quero mostrar que o fato de alguém estar no mesmo ambiente que outras pessoas não a torna alguém sociável. A questão é se a pessoa se sente conectada aos outros ou não. Novamente, fica provado que o “sentimento é mais importante que o comportamento”.

Eu vejo as pessoas se entregando aos seus momentos, e elas se sentem bem com isso. Eu, por outro lado, só consigo observar. Eu não me conecto ao que está acontecendo e, por isso, acabo reagindo de maneiras inesperadas. No entanto, as pessoas comparam o meu comportamento ao sentimento delas. O correto é comparar o meu comportamento ao meu sentimento. E o meu sentimento é: “Não me sinto parte deste momento.”

Será que algum dia eu vou conseguir me conectar aos momentos em toda a sua plenitude? Isso me parece um projeto impossível de concluir. Também, até que isso aconteça, eu posso usar essa inabilidade a meu favor. Eu acredito que, quanto mais eu relatar o que acontece comigo e no meu mundo invisível dos sentimentos, maior a chance de alguém se identificar e ser ajudado. Afinal, ninguém gosta de se sentir um estranho no mundo. Consequentemente, eu estarei sendo ajudado também.


Eu compilei várias situações específicas da minha vida no meu livro Autismo Aos 26. Você pode acessar o link abaixo e ler na Amazon.

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