Normalmente, as pessoas pensam em linhas gerais sobre o que querem fazer e depois pensam nos detalhes. Eu também faço isso, mas só no meu pensamento. Na hora de executar o plano, eu me perco no meio do caminho. Eu começo os detalhes antes de terminar o geral. Isso se torna um grande problema quando aquilo que eu quero fazer tem um prazo.

Na semana passada, eu queria criar uma agenda com atividades divididas em categorias. A agenda teria atividades que durariam desde 1min a 10min diários. Dessa forma eu usaria melhor o meu tempo. Então, eu criei algumas atividades gerais para me orientar.

Enquanto eu fazia isso, vinha à mente inúmeras outras ideias para acrescentar na agenda, mas era óbvio que ainda não estava na hora de acrescentá-las. Só que eu não conseguia acrescentar os detalhes na agenda. Eu estava focado em todas as atividades ao mesmo tempo e via todas elas como igualmente importantes.

Esse é um problema recorrente pra mim. Os detalhes sempre me fascinaram mais do que o quadro geral. Isso acontecia também quando eu ainda jogava videogame.

Qualquer criança iria ficar fascinada com os gráficos e com o movimento da tela. Dificilmente uma criança comum diz pra você: “Olha só como a música desse jogo é boa. Consegue ouvir esses sons de fundo?” Uma criança não joga só porque a música do jogo é boa.

Eu, por outro lado, sempre apreciei as músicas ao máximo possível. Eu sabia quando uma música era mais complexa e outra era mais superficial. São esses detalhes que eu gravava na minha mente. Nem sempre o quadro geral, os gráficos, me interessava.

Isso persiste também nas minhas interações sociais. Minha mente não se concentra no que a pessoa está dizendo. Para mim, é muito mais cômodo analisar a sequência de raciocínios que a pessoa teve até chegar ao que ela está falando. É como se eu pensasse: “Como chegamos a esse assunto?” O resultado é conversas mais superficiais com respostas simples. Afinal, eu gasto tanta energia descobrindo o caminho das conversas que esqueço de responder às perguntas que a pessoa me faz.

E quando eu uso o computador, os detalhes acabam abafando o que estou fazendo. Eu descobri que eu nunca fui um simples usuário. Desde que eu me lembro, eu tenho buscado maneiras de personalizar o sistema operacional, criando programas e sistemas próprios. O computador nunca foi um meio para um fim, mas o próprio fim. Isso acaba me deixando desconcentrado, por exemplo, quando eu preciso fazer uma pesquisa ou redigir um texto. Posso dizer que a busca pelos detalhes nunca parou; ela só se tornou mais sofisticada.

Por causa dessa obsessão pelos detalhes, eu nunca fui bom em organizar as coisas. Quando a gente está organizando a estante de casa, geralmente separamos os objetos por categorias. Parece algo simples, mas não para alguém como eu. Eu olho para os objetos e parece que cada um deles é uma categoria inteira. Um livro nunca é só um livro e uma foto nunca é só uma foto. Cada objeto tem características únicas que, por si só, preenchem uma categoria.

Então, se observar os detalhes me atrapalha tanto, como eu lido com isso?

Eu aprendi uma técnica muito útil com os pintores. Um pintor precisa ser detalhista, mas só depois que os traços gerais de sua obra ficam prontos. Ele faz o primeiro esboço e o pinta. Em seguida, ele faz um gesto peculiar: ele se afasta da pintura alguns passos atrás para ver como está ficando. Assim, ele consegue 2 coisas: descansar as mãos e ver o que ele pode acrescentar para tornar a pintura mais significativa.

Da mesma forma, eu me afasto do que estou fazendo e reflito um pouco para ver o que está faltando. Enquanto eu estou ali, concentrado nos detalhes, eu não sinto o prazer da tarefa cumprida. Mas, quando eu olho o que eu estou fazendo de um ponto de vista mais afastado, eu consigo sentir que o trabalho está concluído, e meu cérebro agradece dizendo: “O que você fez ficou muito bom.” Nesse caso, afastar-se significa parar e dar um tempo, mesmo que sejam semanas. É assim que eu lido com os detalhes.

Os detalhes nunca deixaram de ser importantes pra mim. O que aconteceu foi que eu aprendi a ficar satisfeito com os momentos da tarefa. Isso aumentou minha autoestima e minha autoconfiança, e espero encontrar cada vez mais alegria fazendo isso.


Eu comentei sobre meu fascínio pelos detalhes dos jogos de videogame no meu livro Autismo Aos 26. Você pode lê-lo no link abaixo:

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